Para começar a falar na venda dos direitos federativos do Rockembach, pedi ao Dr. Sérgio Juchem que escrevesse algo de sua lembrança a respeito do episódio.
Não cansarei de repetir sobre a importância do Sérgio, do Gustavo Juchem e do Fernando Torres para conseguirmos encaminharmos alguns assuntos. Já falei de alguns. Falarei de outros. O Sérgio, tenho certeza, irá me ajudar a lembrar o episódio da venda do Hurtado (lembram como a torcida gritava o nome dele...Huuurtaaadooo!), que foi outra epopéia.
Abaixo o texto do meu amigo Sérgio:
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Caro Miranda,
A transação envolvendo a venda dos direitos federativos do atleta Fabio Rochemback, do Sport Club Internacional para o F C Barcelona, foi a mais importante da gestão inovadora Fernando Miranda, que permitiu a conclusão do saneamento financeiro do Clube, pois o mandato foi concluído deixando para a nova gestão apenas modesto compromisso com o Refis.
Na época, foi a transação de maior valor absoluto do futebol gaúcho, alcançando a importância total de US$ 12.500.000,00.
Como tudo que é feito com um bom planejamento, característica marcante do Fernando Miranda, a venda foi muito bem preparada desde a vinda à Porto Alegre de um representante do famoso Clube Catalão. Lembro que nos reunimos à noite, não sem antes termos dificuldade de despistar a Imprensa, no Escritório do Agente Jorge Machado, quando assinamos um Protocolo de Intenções com o Barcelona.
As negociações foram longas e profícuas, pois o documento, ainda que preliminar, estimou o valor da venda em US$ 12.500.000,00, circunstância essa que foi decisiva quando do fechamento da negociação.
Duas curiosidades daquela longa noite.
O advogado espanhol se intitulou advogado do Barcelona, mas não comprovou tal condição, como exigiu o Presidente Miranda, que o considerou então, acertadamente, apenas um advogado de Barcelona (palavras do Miranda). Por essa circunstância, o Protocolo firmado entre o Inter e o Barcelona foi assinado pelo Vice Presidente Jurídico do Inter, já que o Barcelona não estava representado por seu Presidente e nem mesmo por um advogado que comprovasse tal condição. Na verdade, a pessoa em causa era advogado do Barcelona, como se constatou posteriormente.
A outra curiosidade é que, ao fim dos trabalhos, às 3h da madrugada, quando saímos para tomar o elevador e as portas deste se abriram, o jornalista “detetive” Flávio Dal Pizzol colocou o microfone diante do Presidente Miranda para falar sobre o objeto daquela reunião.
O Barcelona, ao confirmar o interesse no negócio, propôs que as negociações finais ocorressem em lugar neutro, pois a Imprensa esportiva espanhola é tão ou mais ativa do que a nossa, sugerindo reunião em Paris. Assim foi feito.
Após o sucesso na venda dos direitos federativos do atleta Lúcio para o Bayer Leverkusen, que por sua transparência e por seu fechamento dentro de uma agência bancária de Porto Alegre, significou uma ruptura cultural e de gestão relativamente às práticas até então adotadas, a elaboração do contrato de venda não apresentou dificuldades, tendo estas ficado por conta da própria negociação.
No início da reunião no Hotel Hilton, em Paris, às 9h da manhã, o Gerente Geral do Barcelona propôs o prosseguimento das negociações oferecendo o valor de US$ 10.000.000,00, ou seja, US$ 2.500.000,00 menos do que o valor previsto no Protocolo assinado em Porto Alegre.
O Presidente Miranda e o Jorge Machado levantaram-se da mesa incontinenti, quando foram puxados por mim pelo braço para voltarem a sentar, o que felizmente fizeram. Às 12h, após 3 longas e tensas horas de reunião, nas quais defendemos com todo o denodo o Protocolo firmado em Porto Alegre, com várias interrupções para entendimentos reservados de parte a parte, conseguimos retomar o patamar de US$ 12.500.000,00.
O almoço em conjunto, leve, já transcorreu em clima mais ameno, sinalizando a concreta possibilidade de fechamento do negócio nas bases desejadas pelo Inter.
Durante a tarde, trabalhamos até às 17h, quando então tudo estava resolvido, inclusive o valor devido ao atleta, que foi integrado, em parcelas, em seu contrato com o novo Clube.
A negociação foi, em verdade, tripartite, pois além de Inter e Barcelona, participou o procurador do próprio atleta.
Houve uma grande dificuldade bem ao final, quando os Clubes tinham chegado aos seus respectivos limites em valores e demais condições e ainda faltavam US$ 100.000,00. A solução surgiu naturalmente, quando os representantes do Inter e do Barcelona se olharam e num gesto simultâneo olharam para Jorge Machado, cuja comissão foi naquele momento reduzida em US$ 100.000,00, viabilizando assim a conclusão do negócio.
Foi um dos dias e momentos mais difíceis e emocionantes da minha vida profissional e esportiva.
Porém, se assim o foi para mim, que já tinha alguma experiência profissional em contratos internacionais, para o Presidente Miranda essa emoção foi muito maior e mais intensa.
Dada a responsabilidade do mandato presidencial e considerando como se encontrava o Clube financeiramente quando assumiu o cargo, aquela negociação significou para o Presidente Miranda o coroamento de um processo de gestão que culminou com o zeramento das dívidas do Inter, iniciando um modelo de gestão que deu ao Clube o grande salto de qualidade para viabilizar as grandes conquistas internacionais que se seguiram.
São estes os aspectos que lembrei e entendi que valiam uma referência para te ajudar a lembrar de alguns detalhes.
Cordialmente,
Sergio Juchem
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Vou lembrar mais alguns tópicos e depois vou reproduzir alguns documentos e imagens que tenho comigo.
PRELIMINAR
A negociação começou bem antes. Quando me neguei a romper a palavra que havia dado ao Bayer Leverkusen e negociar o Lucio com o Barcelona. Esta atitude foi lembrada por mim em diversos momentos da negociação do Fábio, quando dizia que manteria a palavra com o Barcelona, mas se eles quisessem reabrir a negociação, pegaríamos um avião no aeroporto de Orly, que enxergávamos da sala onde estávamos reunidos para fechar negócio com um clube italiano que estava nos aguardando.
A DECISÃO DA VIAGEM À PARIS
O documento que assinamos em Porto Alegre, com o advogado "de Barcelona" precisava ser confirmado na semana seguinte, por ambas as partes. Os representantes do Barcelona entraram em contato e pediram que viajássemos para Paris, pois não queriam tumultuar o ambiente em Barcelona na véspera de algum jogo importante, com a intenção de "acertar detalhes". Queriam que o jogador viajasse conosco.
Respondemos:
- Que para nós os detalhes estavam acertados;
- Que o jogador só sairia de Porto Alegre depois de assinado o contrato;
- Que só viajaríamos com a concordância do jogador e com o pagamento das passagens pelo Barcelona;
O mais difícil foi a questão do Fábio não viajar. Mas sabíamos que se o levássemos juntos o poder de barganha do Barcelona ficaria aumentado e teríamos dificuldade para conseguir o melhor preço.
No final concordaram e nos enviaram as passagens em classe executiva, como havíamos exigido.
A VÉSPERA DA VIAGEM
Viajaríamos num domingo, dia que jogaríamos com o Juventude em Porto Alegre. Iríamos ao jogo e direto para o aeroporto.
Na concentração, no sábado, apanhei o documento que o Fábio declarava ter conhecimento da negociação.
Ele estava assinado apenas pelo atleta e faltava a assinatura do pai.
Recebi um telefonema do Ernani Campelo - Rádio Guaíba, que reproduziu para que eu ouvisse a declaração que o pai do atleta acabara de gravar, dizendo que não concordava com a negociação.
Imediatamente subi ao quarto do Fábio e devolvi o documento (que sabia ser dispensável) e disse que cancelaria a viagem do dia seguinte, caso o pai dele não estivesse no dia seguinte às 9:00h no meu escritório para levar o documento assinado. Não para conversar. Apenas para entregar o documento.
Cheguei no escritório 8:30, temendo que ele não aparecesse. 9:00h ele chegou, entregou o documento, apertei sua mão e mantive a viagem.
REUNIÃO CANCELADA EM PARIS
Chegamos no final da manhã ao hotel e nossa reunião estava marcada para 19:00h.
Pouco antes fui para o quarto colocar uma gravata (orientação do Sérgio, contra minha vontade...) e o Sr. Machado foi me procurar dizendo que recebera um telefonema transferindo a reunião para 21:30h, pois os representantes do Barcelona iriam atrasar.
Imediatamente informei que a reunião não seria mais naquela noite e sim no dia seguinte, pois estava muito cansado e não me sentia em condições de negociar.
Descobri que havia um jogo amistoso (sim, na segunda à noite) entre o Paris Saint Germain e o Benfica. E rumores de que seria a estréia do Ronaldinho no Paris Saint Germain. Não podíamos perder um programão destes e...tirar umas fotografias.
Quando saímos (eu, Sérgio e o representante do jogador Mario Rossi) fomos questionados se não estávamos cansados. Não hesitei em dizer que estava cansado para negociar, não para assistir futebol.
SOBRE A NEGOCIAÇÃO
Foi um dos dias mais longos da minha vida. Em diversos momentos tive dúvida se conseguiríamos fechar o negócio. Diversas vezes saímos para ajustar a estratégia e lembro de ter ligado para Porto Alegre e pedir orientação ao Abílio Braga, pois precisaria "descontar" o contrato que previa pagamento parcelado.
O Sérgio já esgotou a história da negociação, no texto acima.
AS HORAS APÓS A NEGOCIAÇÃO
Assim que assinamos o contrato, fomos convidados para jantar com os representantes do Barcelona.
Eu disse que pediria um lanche no meu quarto. Intuia o que sentiria quando ficasse sozinho. Sabia o que representava aquele contrato que acabara de colocar na minha pasta.
Quando fechei a porta do quarto, devo ter chorado uns 30 minutos.
Quando me acalmei comecei a ligar para pessoas importantes para mim e para o clube naquele momento para relatar o que acontecera e afirmar que entregaríamos o Internacional, no final do ano numa situação MUITO diferente da que havíamos recebido.
Vou guardar economizar alguns detalhes para contar aos poucos.
O CONTRATO
Pretendia colocar aqui todo o contrato. Mas não lembrava de uma cláusula de confidencialidade, que não sei ter valor 10 anos depois. Mas para evitar problemas, vai apenas a primeira página...
Abaixo minhas anotações durante a reunião em Paris:
Comprovante depósito primeira parcela
Comprovante pagamento segunda parcela
Hotel Hilton
Em 2003 voltei à Paris e fiz questão de voltar ao Hotel para tirar algumas fotos...
Abaixo as fotos que estão no álbum de minha família:
A sala onde negociamos
Fachada do Hotel
Fernando Miranda